Gosto de bancos e mesas de trabalho. Esta tabua foi me oferecido por um artesão de galos de Barcelos que faz também andorinhas das mais toscas. Tem dois lados e vou o por ao lado deste. A minha colecção cresce e inspira....
Hoje comecei a chorar no meio do trabalho. Estava irritada, nervosa, stressada. Era o cançaso e agora começo a culpar a idade, mas o mais provavél foi o cansaço. Estou velha, gosto de dizer. A minha mãe gosta de dizer. "Quando tinha a tua idade, trabalhava em dois trabalhos, depois acordava às duas da manhã para fazer o jantar para o teu pai que trabalhava as noites ....até parecia que voava, nem no chão ponha os pés...e tinhavos a vocês as trés..." (com um ano de diferença entre eu e as minhas irmãs.) Penso nela tantas vezes. Agora falo menos com ela ao telefone para Boston. Ou porque estou na azafama do trabalho ou passa e tenciono falar para ela o dia a seguir. Os dias fogem a correr, não os consigo apanhar jamais.
Quando estou cansada sou torcida e tenho mau feitio. Talvez até sou assim quando não estou cansada...? Sou uma perfecionista cheia de erratas e sou desorganizada. Sou má gerente e só o meu trabalho serve de exemplo para os outros. Exigo muito, mas ninguem é perfeito. Hoje, é segunda feira. Acho que posso culpar as segundas feiras porque os fins de semana são muito exigentes no nosso café. Deve ser a ressaca.
I miss my family, e noto que procuro os sinais de saudade. De manhã perto do Saudade oiço as rolinhas a cantar e vejo as a voar por ali até aqui. Antes, quando a minha avó tomava conta de nós em casa dela, e para nós comermos, dizia "come minha rolinha, come". Se tivesse de dar um nome a um restaurante meu seria este, Come Minha Rolinha, Come. E hoje de carro passamos o lugar onde se encontra uma padaria que se chama "O Bicho". Comecei a dizer a palavra como diria a minha tia Rosalina, com quem eu nunca teve uma relação muito próxima. Ela era de Boimo, Cabana Maior e pronunciava por exemplo a palavra bicho não como beeshoo, mas, beetcho ou tchuva, ou melhor, tchuba. Tenho saudades dela, I miss her.
Lá estão eles em Boston e lá vivem a sua vida. Eu cá, a minha. Neste dia de segunda feira em que arrasto os meus pés queria praticar o meu mau feitio com eles A minha mãe não teria simpatia pelo meu cansaço, a minha avó mediria os meus pulsos com a mão dela e achava me magra demais (quem me conhece sabe que sou rechonchuda) e a minha tia falaria com aquela voz aguda...e falaria....e falaria de tudo e todos...
No outro dia o nosso amigo Sr. Vestinho (alcunha de Sr. Silvestre), um senhor já de seus quase 55 anos comentou que " a Mary é uma mulher do Minho." Poucos dias antes deste comentario tinhamos estado a falar de uma outra senhora conhecida nossa, uma senhora semi bruta capaz de acartar um saco de batatas de 30 ou mais kilos, bonita mas não muito feminina. Ele também caracterizou ela como sendo uma mulher do Norte. Ora, quando ele me disse que eu era uma mulher do Minho eu ao mesmo tempo, gostei, porque orgulho me de ter sangue Minhoto mas também lembrei me daquilo que tinhamos falado da outra senhora conhecida que não era tão ladylike. Eu sou capaz de leventar 30 ou mais kilos de batatas. Todos os dias carrego pelo menos dois grandes sacos de legumes, kilos de farinha, e fruta nas compras que faço para a Saudade e o Sr. Vestinho já me observou varias vezes, nesta tarefa. Não sei se o Sr. Vestinho acha me "bonita mas não muito feminina." De facto, eu ainda não sei bem o que ele quer dizer quando ele diz que "a Mary é uma mulher do Minho."
Sei, que ele despertou uma coisa em mim ao dizer aquilo. Eu nasci nos Estados Unidos. Vivi lá até ter 29 anos no meio de uma comunidade portuguesa minhota que pretendia a todos os custos incutir nos filhos "tu nascestes aqui, mas também pertences aquela aldeia serrana, estás a ver, onde nós sachamos e semeamos e acartamos kilometros pela essas serras tojo e fento, para os animais que tambem ajudavam produzir da terra comida para sobreviver.... mas cantavamos no meio de tanta miséria....."
Não, eu não esqueço. Está lá dentro de mim e o Sr. Vestinho acordou em mim uma coisa tão boa, que com tanto trabalho e tanto barulho que me ronda há meses....estava adormecido. Talvez até estava adormecida dentro de mim a minha vida inteira até ao momento em que ele me disse isto. Incrivél! Por isto agredeço ele ter me dito aquilo...
No livro da Maria Lamas, a mulher do Minho (rural) nos anos 1950 e 60 era uma mulher que teve de lutar muito. Já agora podemos dizer que a mulher Portuguesa sempre lutou por tudo que ela queria. Mas a mulher do Minho fazia isto em condições geograficamente dificeis. O Minho tem muitas serras e havia uma isolação terrivél, assim como em Trás-os Montes ou as Beiras. Os homens do Minho emigraram em massa deixando as sozinhas para criar a família e cuidar dos campos e casas. As mulheres do Minho trabalhavam no negócio do contrabando, plantavam arvores para o plano nacional de florestação, carregavam fento, lenha, carvão, e crianças à cabeça. E queixavam se pouco. E isto era o normal. Era o dever delas. E pouco mais podiam ambicionar. Eu sei. A minha mãe é uma destas mulheres até aos 21 anos quando realizou o sonho de emigrar para os Estados Unidos da America. .
As vezes quando estou a falar com gente portuguesa, eles perguntam, "Não é de cá, pois não?" Não sou filha de pais Minhotos de Boston. "Ahh, pois nota se no sotaque." No outro dia perguntaram me " A Mary não tem frio? Anda aí com o peito destapado...deve ser do Minho, não?" Eu parei um segundo e sorri, respondi que sim e para mim pensei "Sim, sou uma mulher do Minho."
Tenho a sorte de os namorar todos os dias aqui na Saudade. Os retratos de gente portuguesa vestida com as roupas do dia a dia. São provavelmente do último quartel do século dezanove.
E recomendo vivamente o site da Associação Portuguesa de Photographia. É para se verem todas as fotografias e links.